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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Uma revolução na Polícia Civil





Quem já passou pela experiência de ter de fazer um boletim de ocorrência (BO) em um distrito policial possivelmente deve ter reclamado muito do serviço prestado. Falta maior efetivo à Polícia Civil e todo o trâmite ainda é muito lento apesar de alguns avanços, como a delegacia eletrônica. Uma proposta elaborada pelo Sindicato dos Policiais Civis de Carreira do Estado do Ceará (Sinpol) tem como objetivo mudar esse cenário e, de quebra, promover uma verdadeira revolução organizacional.

Trata-se da criação do cargo de oficial de polícia judiciária (OPJ) que une, em uma mesma função, as atribuições relativas ao escrivão e ao inspetor. A medida busca tornar a atuação desses profissionais mais eficaz, promovendo a racionalização de tempo e de pessoal. Hoje, um inspetor não pode lavrar um BO ou fazer o registro de um termo circunstancial de ocorrência (TCO). O escrivão, por sua vez, encontra-se impedido de cumprir mandados de prisão e de realizar a custódia dos presos. Com as mudanças previstas, o mesmo profissional que atua na investigação também estaria habilitado a conduzir boa parte da burocracia necessária à atividade policial, em especial, às atividades que não se revestem de grandes formalidades, consistindo apenas na narrativa dos fatos presenciados. A distância entre o policial de “rua” e o de “cartório” também ficaria mais reduzida, gerando impacto até mesmo no trabalho investigativo.

O Sinpol apresenta um exemplo de como a nova função pode tornar o serviço da Polícia Civil mais ágil. Pensemos em uma delegacia plantonista com uma equipe formada por um delegado, um escrivão e três inspetores. Quando um flagrante chega à autoridade policial ele tem de ser lavrado pelo delegado e pelo escrivão. O atendimento dos boletins de ocorrência, então, fica suspenso uma vez que o escrivão é o único profissional habilitado para realizar tal tarefa. Os inspetores, embora em maior número, ficam subutilizados nessa situação.

Com a criação da figura do OPJ, o flagrante seria registrado por um oficial sem que o processo de atendimento de boletim de ocorrência seja interrompido. Ganham com isso o cidadão e a cidadã que, além de serem vítimas da violência, sofrem com o atendimento muitas vezes precário. Quando se leva em consideração as dificuldades de cobertura policial no Interior, em que um mesmo delegado tem de dar conta de diversos municípios ou nas distâncias percorridas para se fazer o registro das ocorrências, os méritos de tal proposta se tornam ainda mais evidentes.

Uma mudança desse porte exige algumas adequações haja vista que a formação dada ao escrivão não é a mesma do inspetor. Os exames físicos não são exigidos para os escrivães, por exemplo. Os futuros profissionais teriam de se submeter a uma nova grade curricular e quem está atualmente na ativa teria de passar por uma capacitação complementar caso concorde com a nova função. O caminho a ser percorrido para a implementação, contudo, ainda é longo. A medida envolve profundas transformações no cotidiano dos policiais e nas disputas internas da instituição. A cultura cartorial é muito forte na Polícia Civil e qualquer mudança significativa nesse sentido precisa passar pela adesão dos profissionais. Além disso, embora possam resultar em maior agilidade e capacidade de resposta à Polícia Civil, as novas atribuições trazem consigo novos desafios ao profissional.

Parece haver uma tendência em prol de mudanças no funcionamento da polícia judiciária. Policiais de Santa Catarina e Rio Grande do Norte estão se mobilizando em torno de uma proposta semelhante assim como a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), que estuda a fusão dos cargos de escrivão e agente, criando a figura do oficial de polícia federal (OPF). Conforme o inspetor, o projeto já foi apresentado ao Governo do Estado e teve boa aceitação. A Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) ficou incumbida de elaborar um estudo de viabilidade econômica. Para quem quiser saber mais informações, o projeto OPJ pode ser acessado no link (http://www.sinpolce.org.br/index.php/downloads/viewdownload/7-legislacao/670-projeto-opj.html).

Por ser uma proposta tão inovadora, há muitos pontos a serem discutidos e a versão final deve passar por ajustes. Em meio a tantos projetos de lei inócuos e populistas na segurança pública, a criação da figura do oficial de polícia judiciária promete ser uma das medidas mais promissoras nessa área. A sociedade está em constante transformação e as instituições policiais não podem estar imunes a esse processo.

Ricardo Moura é jornalista, pesquisador do LEV/UFC e doutorando em Sociologia (UFC)

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